Implementação do Protocolo de Nagoia

A coleta, obtenção e utilização de sementes, plantas e outros organismos vivos provenientes de outros países é governada por normas internacionais. O objetivo do Protocolo de Nagoia é regulamentar de modo adequado e simplificar o acesso a recursos genéticos, além de promover a repartição justa dos benefícios derivados de sua utilização. Contudo, a implementação da política neste setor continua sendo complexa. O que o Protocolo de Nagoia abrange (e o que não abrange), e como isto se traduz na prática?

Da Convenção sobre Diversidade Biológica ao Protocolo de Nagoia 

O Protocolo de Nagoia surgiu na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), aberta a assinaturas durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, em junho de 1992. A Convenção atesta, entre outras coisas, que os países detêm direitos soberanos sobre os recursos genéticos em seu território. Isso significa que os usuários, tais como pesquisadores ou melhoristas, devem verificar se o país de origem do recurso genético introduziu alguma regra para o acesso a eles. A CDB foi assinada por 196 partes e entrou em vigor em 29 de dezembro de 1993.

Os três objetivos principais da CDB são:

  1. a conservação da diversidade biológica (ou biodiversidade)
  2. o uso sustentável dos seus componentes
  3. a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados dos recursos genéticos

Visto que a utilização dos recursos genéticos pode gerar conhecimentos ou lucros, os países com abundantes recursos genéticos – geralmente países em desenvolvimento – querem partilhar dos benefícios obtidos nos países em que seus recursos genéticos são utilizados. Por outro lado, para países como os Países Baixos, que utilizam muitos recursos genéticos de outros países para fins de obtenção de novas variedades de plantas, por exemplo, é de fundamental importância que o intercâmbio de recursos genéticos possa ocorrer sem empecilhos desnecessários.

Um dos acordos feitos durante a ECO-92 incluía o financiamento adequado para o acesso aos recursos genéticos, conhecido como Acesso e Repartição de Benefícios (Access and Benefit-Sharing, ABS). Contudo, não foram fornecidas indicações claras sobre como isso seria implementado. Por este motivo, foi elaborado em 2010 um protocolo separado, o Protocolo de Nagoia sobre o Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa de Benefícios Derivados de sua Utilização (Protocolo de Nagoia). O objetivo desse protocolo é esclarecer, concretizar ainda mais e promover a implementação do terceiro objetivo da CDB, ou seja, a partilha justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de recursos genéticos. Embora o Protocolo de Nagoia forneça uma indicação mais clara do formato que as normas de ABS podem ter, essas normas ainda precisam ser implementadas a nível nacional. O Protocolo de Nagoia entrou em vigor em 12 de outubro de 2014. No momento, 93 países são signatários do Protocolo de Nagoia, três ratificaram o Protocolo mas ainda não são parte, e 105 ainda não participam, inclusive os EUA, já que também ainda não ratificaram a CDB (dados provenientes do Centro de Intercâmbio de Informações de ABS, 22 de março de 2017).

Como funciona? 

O Protocolo de Nagoia baseia-se em um Consentimento Prévio Fundamentado (CPF) do país provedor dos recursos e em Termos Mutuamente Acordados (TMA) entre o usuário e o provedor. Os usuários devem sempre verificar se o país exige CPF e/ou TMA. Os TMA determinam as condições para a utilização dos recursos genéticos e para a repartição de benefícios e estão incluídos no acordo entre provedor e usuário dos recursos genéticos.

As partes contratantes do Protocolo de Nagoia devem tomar medidas para garantir a conformidade com as regras de ABS. Portanto, somente a assinatura do Protocolo de Nagoia propriamente dita não é suficiente: também é necessário ter uma legislação e regulamentações nacionais. Dos 93 países signatários, 31 tomaram medidas a nível nacional para implementar as exigências de ABS da CDB e/ou do Protocolo de Nagoia (dados do Centro de Intercâmbio de Informações de ABS, 22 de março de 2017). Entretanto, isso não necessariamente significa que CPF e TMA podem ser obtidos na prática.

Quarenta e oito por cento dos países da Europa são partes do Protocolo de Nagoia, e desses, 76% tomaram medidas legislativas, administrativas ou políticas com relação ao ABS. Na Ásia, 35% dos países são partes do Protocolo e 12% deles adotaram medidas nacionais. O Catar ratificou o Protocolo, mas ainda não é parte. Na América do Sul, cinco dos doze países (42%) são parte do Protocolo, e dentre esses, somente o Peru tem um regime de regulamentação nacional. O Brasil não é parte, no entanto também estabeleceu um regime de regulamentação nacional.

A plataforma do Centro de Intercâmbio de Informações (ABS Clearing House, ABSCH) foi criada para funcionar como um local para troca de informações sobre as regulamentações de ABS (https://absch.cbd.int/). Ela foi projetada para ajudar os usuários a determinar quais normas se aplicam nos países que são parte do Protocolo de Nagoia e da CDB.

União Europeia

Em 2014, a União Europeia adotou o Regulamento (UE) Nº 511/2014, implementando a parte de conformidade do Protocolo de Nagoia. Todos os usuários de recursos genéticos na UE devem cumprir esse regulamento, que, assim como o Protocolo de Nagoia, entrou em vigor em 12 de outubro de 2014. As regras de ABS não são reguladas pela UE em si; o acesso e a repartição de benefícios são providenciados pelos próprios Estados-membros. Para suplementar o Regulamento, foi criado também o Regulamento de execução (UE) 2015/1866 da Comissão para fornecer esclarecimentos adicionais sobre alguns dos artigos do Regulamento. O regime regulatório europeu exige que os usuários de recursos genéticos façam os esforços necessários (“diligência prévia”) para demonstrar que os recursos genéticos com que estão trabalhando foram obtidos legalmente e podem ser aplicados para o objetivo desejado pelo usuário. Além disso, os usuários devem garantir que qualquer benefício derivado da utilização desses recursos seja compartilhado de forma justa e equitativa. Os Estados-membros da UE devem verificar se os usuários estão em conformidade com esta exigência e devem garantir que infrações ao Regulamento sejam retificadas ou punidas. Para alcançar este fim, os Estados-membros devem estabelecer uma “autoridade competente", “um ponto focal nacional” e uma “autoridade de monitoramento”. Ademais, devem definir que ação corretiva ou disciplinária deve ser tomada caso ocorra infração do Regulamento. Como o regime regulatório ainda não fornece clareza suficiente, a Comissão Europeia e os Estados-membros estão trabalhando nos documentos complementares que elaborarão o escopo das regulamentações. Por exemplo, em agosto de 2016, foi emitido um documento de orientação horizontal, no qual elementos intersetoriais estão explicados. Também estão sendo elaborados documentos de orientação setorial. O Documento de Orientação para o setor de Melhoramento Vegetal foi concluído por consultores e especialistas no início de 2017, e está agora iniciando o processo político.

Países Baixos 

Nos Países Baixos, a Lei de Implementação do Protocolo de Nagoia (Wet Implementatie Nagoya Protocol) foi introduzida em 30 de setembro de 2015 e entrou em vigor em abril de 2016. Essa lei regulamenta o efeito direto das Regulamentações da UE (EU Nº 511/2014 e EU Nº 2015/1866). A Autoridade Neerlandesa de Segurança Alimentar e Produtos de Consumo (NVWA) foi designada como a autoridade de monitoramento, e o Centro para Recursos Genéticos dos Países Baixos, no Centro de Pesquisa da Universidade de Wageningen (WUR), como o ponto focal nacional para acesso e repartição de benefícios. Isso significa que os usuários neerlandeses podem agora ser monitorados para garantir que mantenham os devidos cuidados ao utilizar recursos genéticos. O website da Central de Atendimento de ABS dos Países Baixos oferece informações para usuários de recursos genéticos.

Em 2016, a NVWA começou imediatamente a consultar as empresas quanto à interpretação do regime regulatório. Eles observaram que as empresas de melhoramento já possuem amplos conhecimentos e estão trabalhando ativamente em sistemas para acompanhar seus fluxos de recursos genéticos internamente. Os Países Baixos foram o primeiro Estado-membro a iniciar monitoramento em grande escala, que foi introduzido no setor de melhoramento vegetal. A maioria das empresas inspecionadas utiliza material genético anterior a 12 de outubro de 2014, estando assim fora do escopo das regulamentações da UE. Segundo a NVWA, as empresas encontram dificuldades para acessar material de alguns países provedores na prática: pode ser problemático contatar as autoridades competentes, por exemplo, ou as negociações podem levar anos. Isso poderia atravancar a inovação futuramente.

Complexidade das regulamentações de ABS 

Existem diversos outros regimes legislativos e regulatórios além do Protocolo de Nagoia, e isto pode causar confusão. O Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (TIRFAA), de 2004, utiliza o mesmo sistema, mas com um escopo mais limitado, conforme o nome sugere. O TIRFAA contém disposições complementares para facilitar e tornar mais eficiente o intercâmbio de recursos genéticos para a alimentação e agricultura: O Acordo Padronizado de Transferência de Materiais (APTM). Se um recurso genético em particular não é governado pelo TIRFAA, do mesmo modo não estará sujeito ao Protocolo de Nagoia. Além disso, há diversos regimes legislativos e regulatórios regionais e nacionais. Por exemplo, medidas de ABS podem também ser aplicáveis em países que não são partes da CDB e do Protocolo. Além do mais, muitos institutos e empresas têm suas próprias normas.

O Protocolo de Nagoia foi desenvolvido para regulamentar adequadamente o acesso aos recursos genéticos e para criar um arcabouço jurídico transparente para a repartição de benefícios e conformidade. Embora a necessidade de normas governando o acesso em nível internacional pareça lógica, as diversas convenções e regimes regulatórios associados complicam mais o acesso, em vez de descomplicar, e ainda há muita confusão quanto à implementação e conformidade. Na prática, isto dificulta a tomada de medidas concretas. A praticabilidade das regulamentações internacionais e a implementação do Protocolo de Nagoia e sua regulamentação dentro da UE devem ser esclarecidas ao longo dos próximos anos.

Dümmen Orange cumpre o Protocolo de Nagoia 

“Na Dümmen Orange, temos a obrigação estatutária de cumprir com regulamentações internacionais, nacionais e regionais com relação ao ABS, como o Protocolo de Nagoia. E nós cumprimos essa obrigação", diz Hans van den Heuvel, diretor de P&D na Dümmen Orange. A Dümmen Orange opera em vários países e, sendo assim, tem que lidar com diferentes regimes regulatórios. Por exemplo, os Países Baixos, Alemanha e Espanha são partes do Protocolo e possuem leis nacionais que regem o seu cumprimento. Quênia e Etiópia são partes do Protocolo mas não têm estruturas legislativas relevantes, ao passo que os EUA não são parte do Protocolo nem da CDB. Assim, esses países não se enquadram no escopo do Protocolo de Nagoia. “Na Dümmen Orange, reconhecemos e levamos a sério o Protocolo de Nagoia. Mantemos um registro dos recursos genéticos que usamos no processo de melhoramento. Adaptamos nossa política interna ao Protocolo, sempre que necessário, levando em conta as diferenças regionais. Também respeitamos os regimes regulatórios nacionais dos países provedores e as exigências de ABS", enfatiza Hans van den Heuvel.

Plantum 

A Plantum, organização neerlandesa para o setor de melhoristas vegetais, promove ativamente a preservação do acesso a recursos genéticos tanto nacional quanto internacionalmente, e emprenha-se em tornar esse acesso o mais fácil e eficiente possível. A organização acredita que o TIRFAA tem a abordagem mais pragmática quanto ao ABS. Um contrato padrão, como o APTM – o modo como os acordos são feitos para o intercâmbio de recursos genéticos para a alimentação e a agricultura dentro do TIRFAA – é muito útil neste sentido. A Plantum está reivindicando que esse contrato seja usado para todos os cultivos no futuro.

A Plantum, a ESA (Associação Europeia de Sementes) e a CIOPORA (Comunidade Internacional de Obtentores de Plantas Ornamentais e Frutíferas de Reprodução Assexuada) forneceram dados para os Documentos de Orientação europeus da Comissão Europeia e dos Estados-membros. A Plantum está trabalhando na implementação do regime regulatório europeu nos Países Baixos e na política em níveis nacional, europeu e internacional. Entre outras coisas, está em diálogo com a NVWA sobre como obter esclarecimentos adicionais sobre o monitoramento de empresas e como essas devem enviar suas declarações de diligência prévia na prática. O trabalho para concluir o Documento de Orientação e revisar o SMTA também está em andamento.

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